sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Metade

"Que a força do medo que eu tenho,não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acreditonão me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longe,seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amoseja para sempre amadamesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falonão sejam ouvidas como precee nem repetidas com fervor,apenas respeitadas,como a única coisa que restaa um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir emborase transforme na calma e na pazque eu mereço.
E que essa tensãoque me corrói por dentroseja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afastee que o convívio comigo mesmose torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,um doce sorriso,que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mimé a lembrança do que fui,a outra metade eu não sei.
Que não seja precisomais do que uma simples alegriapara me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silênciome fale cada vez mais.
Porque metade de mimé abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta,mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicarporque é preciso simplicidadepara fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéiae a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,e a outra metade...também"


Ferreira Gullar

domingo, 1 de junho de 2008

A Vida de Maricotinha - Cap. II


Ao abrir os olhinhos, Maricotinha olhou ao seu redor: todo o ambiente lhe parecia estranho. Não conseguia se situar. As luzes eram muito fortes, e machucavam seus olhinhos. Logo pôde perceber que não estava em casa. Viu que estava em uma redoma, como se fosse uma caixinha transparente cheia de tubos encaixados, que a isolava do ambiente. Maricotinha ficou um bom tempo pensando, tentando descobrir o que havia lhe acontecido. Uma confusão tomou conta de sua cabeça, deixando-a tão cansada que voltou a dormir.
Acordou assustada, sem noção de tempo. Abriu os olhinhos e viu uma mulher simpática, com cara de cavalo e vestida de branco, tirando-a da redoma. Foi aí que pôde ver que estava numa sala com outros bebês, estes também em outras redomas. Do lado de fora da sala, sorrindo estavam um homem e uma mulher. A mulher era pequena, cabelos curtos, pretos e lisos. O homem era mais alto, gordinho e barbudo. A moça de branco entregou-a para a mulher, que pegou-a no colo com cuidado, dizendo:
__ Olá, minha querida. Como esperamos por você! Agora poderemos, finalmente, levá-la para casa.
Maricotinha logo compreendeu que aqueles eram seus "pais". No colo da "mãe", Maricotinha ia perdendo de vista a sala, a moça de branco, o corredor, o hospital... Mas alguma coisa acontecia que tirava sua atenção de tudo isso: aquele homem barbudo. Ele a intrigava, transmitindo-lhe uma paz e segurança muito parecidas com as que sentia quando estava em casa. Ele a encarava sorrindo, e seus meigos olhos azuis pareciam querer dizer-lhe alguma coisa. No fusca branco, quando não podia mais encarar-lhe o rosto, Maricotinha observava a parte de trás da cabeça daquele homem. Pôde perceber, à luz do sol, que seus cabelos eram claros, quase loiros...


Escrito por Juliana Melo Paulo

sexta-feira, 25 de abril de 2008

A Vida de Maricotinha - Capítulo I


Era uma vez uma menina desajustada chamada Maricotinha. Ela não servia para este mundo, e desde antes de nascer sabia disso. Quando mandaram-na para a Terra, Maricotinha implorou para não ir. Disse observar a humanidade a algum tempo, e ter a certeza de não se adaptar à ela. "O ser humano é mau, Paizinho, o ser humano é mau!" - repetia sofregamente. Mesmo diante de tantos apelos, seu Pai parecia irredutível: "Terei de mandá-la, mas não se preocupe minha filha. Alguém a aguarda a algum tempo. Ha 29 anos terretres enviei um homem com uma missão. Mas preciso dele de volta. Mandarei você para que aprenda com ele, e quando julgar-te preparada, trarei-o, e tu continuarás sua missão."

Ainda assim, Maricotinha não queria ir.

Maricotinha foi crescendo na barriga de sua mãe, sabendo do inevitável: um dia teria de nascer. E sua mente arquitetou, durante nove meses, uma maneira de evitar isso. No dia do parto, Maricotinha agarrou-se como pôde no cordão enfiado no seu umbigo, e decidiu que não sairia dali. Mas logo percebeu que aquilo não adiantaria, uma vez que suas mãozinhas frágeis não conseguiam mais fazer força para segurar o cordão. Numa luta desesperada, Maricotinha enrolou-se no cordão, tentando prender-se. Depois do mesmo ter dado duas voltar no seu pescocinho fino, ela percebeu que não conseguiriam tirá-la dali. Logo o ar começou a faltar-lhe. Mas Maricotinha não teve medo. Apenas fechou os olhinhos e esperou. Logo estaria de volta à sua casinha.



Escrito por Juliana Melo Paulo

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

?


Existem níveis de felicidade?
Quais seriam estes?
Qual a representatividade
em nós mesmos
que possa responder esta questão?
O positivismo traz a memória
de fatos bons e agradáveis?
De que vivemos?
Memórias criadoras de ilusões?


Escrito por Juliana Melo Paulo

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

SOCORRO!


Gritos ensurdecedores
miscelânea de vozes que absorvem meu cérebro
escorrendo pelo meu corpo através da minha corrente sanguínea
caos
preciso respirar
pessoas me sufocam
me irritam
pobres dos meus nervos
estão à ponto de estourar
parem de falar
criaturas ignóbeis
reunião nefasta de sepulcros caiados
afastem-se de mim com suas tolices
se tentassem abrir vossas cabeças
algumas estourariam como um balão
tantas outras exalariam um odor
fétido, insuportável, nauseante
estou à ponto de vomitar de nojo
nojo de vossas palavras vomitadas sem conteúdo
bando de seres imundos
munidos de tanta ignorância...
mundo burro!


Escrito por Juliana Melo Paulo