segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Vida de Maricotinha – Cap. IV


Dois anos se passaram, e Maricotinha passou por eles com um desenvolvimento normal de criança de sua idade. Aprendeu a andar, a balbuciar algumas palavras, a expressar-se de modo mais contundente... Ao cabo destes dois anos, Maricotinha recebeu uma notícia que a alegrou e deixou confusa ao mesmo tempo: iria ganhar um(a) irmãozinho(a). A novidade a deixara radiante. Ter um bebê para brincar seria o máximo! Sentia-se muito sozinha no meio da vida atarefada de seus pais. Seria bom ter alguém, uma companhia, enfim.

O que não havia ainda contado, e acordou à noite sôfrega e assustada, foi com a idéia mais terrível que pudera passar-lhe pela cabeça: com a chegada do bebê, teria de dividir o amor do homem barbudo. Não! Era tudo o que Maricotinha nunca poderia conceber! Como dividir a razão de sua vida com outra pessoa? Sua mãe não era rival à altura. Maricotinha sabia que ganharia (e ganhava mesmo) dela em qualquer disputa. Bastava choramingar, chamar “papai” e estender os bracinhos. Ele nunca resistiu ao seu apelo infantil. Mas, desta vez, não seria sua mãe. Seria outra criança a disputar seu amor. Maricotinha preocupou-se, desesperou-se, tentou encontrar uma solução. Mas sua cabecinha de criança era muito limitada para maiores articulações e, ao não encontrar saída, inevitavelmente perdeu o viço.

Os dias se passaram e todos viam que Maricotinha não andava muito bem. Não conseguia comer direito (e tudo o que essa menina tinha era apetite!), não urinava mais, não sentia prazer em brincar. Foi ficando pálida e inchada. Seus pais, preocupados, levaram-na ao médico, que pediu uma infinitude de exames. Desde esse dia a vida de Maricotinha entrou em outra rotina: o entra e sai desenfreado das agulhas. E pesquisa após pesquisa, descobriram que os rins de Maricotinha cansaram de trabalhar. Mas, inevitável fazer a pergunta: como rins tão novinhos já poderiam estar tão cansados? A resposta não era óbvia, mas era certa: a cabeça de Maricotinha enviou uma ordem para eles. “Parem de funcionar! Entrem de férias por período indeterminado!” . A realidade era dura e inegável: Maricotinha, mesmo sem ter plena consciência do que fazia, escolhia morrer a ter de perder o homem barbudo. Mesmo que perdesse apenas uma parte. E optou por ir embora e voltar pra sua casinha inicial, sua morada definitiva, para onde haveria de voltar um dia. Afinal, que mal há em apressar um pouco as coisas?



Juliana Melo

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